Mauro:
Hoje, o programa discute um episódio que paralisou partes da Europa e acendeu alertas importantes sobre tecnologia e segurança: o apagão que atingiu Portugal e Espanha.
Quem está conosco diretamente da cidade do Porto, é a jornalista e consultora legislativa Beth Veloso.
Beth, como foi viver essa situação? O que você viu e sentiu no Porto?
Beth Veloso:
Olá, Mauro, olá ouvintes!
Estar no meio do apagão foi uma experiência muito impactante. Eu estava trabalhando normalmente quando, de repente, tudo caiu: sem internet, sem telefone, sem sinal de celular.
As luzes de parte da cidade se apagaram, o transporte público parou, e em poucos minutos as pessoas começaram a se perguntar o que estava acontecendo.
Fui à rua e vi caixas eletrônicos inoperantes, lojas fechando às pressas, e até sinais de trânsito piscando de forma irregular.
A sensação de vulnerabilidade foi imediata. Percebemos o quanto dependemos da energia elétrica e da conectividade para as atividades mais simples do dia a dia.
Mauro:
Já se tem uma explicação oficial do que causou o apagão? Ouvi falar em cyberataque…
Beth Veloso:
De fato, Mauro, no começo surgiram muitos boatos de um possível ataque cibernético.
Mas, após as investigações, as autoridades confirmaram que a causa foi um fenômeno climático raro: variações extremas de temperatura no interior da Espanha provocaram oscilações elétricas anômalas.
Essas oscilações afetaram as linhas de alta tensão, causando uma perda de sincronização entre os sistemas de Portugal e Espanha — e levando ao apagão em cascata.
Então, tecnicamente, não foi um ataque, mas a falta de resiliência das redes elétricas deixou todo mundo exposto.
Mauro:
Durante o apagão, circularam boatos de que teria sido um ataque russo. Essas crises se tornam momentos ideais para a propagação de fake news?
Beth Veloso:
Sem dúvida, Mauro.
A falta de informações claras e a ansiedade generalizada geram um ambiente perfeito para a disseminação de fake news.
Rapidamente surgiram mensagens de que seria uma retaliação russa, especialmente num momento de tensões provocadas pela guerra na Ucrânia.
Isso mostra como a guerra híbrida — que mistura ações militares e ataques informacionais — é uma realidade.
A desinformação se espalha quase tão rápido quanto a própria crise.
Mauro:
Que lições esse episódio nos deixa sobre nossa relação com a tecnologia?
Beth Veloso:
A principal lição é a fragilidade.
Percebemos como nossa vida moderna depende de sistemas tecnológicos globais interconectados e, muitas vezes, frágeis.
Um fenômeno natural — ou um erro humano — em uma parte do mundo pode paralisar cidades inteiras em poucos minutos.
Além disso, aqui na Europa, ficou ainda mais evidente o quanto a infraestrutura digital é dependente de grandes provedores — e em especial das Big Techs americanas, como Amazon, Microsoft e Google, que controlam servidores, nuvens e redes de distribuição.
Esse apagão revelou também a vulnerabilidade geopolítica: a Europa precisa pensar em soberania digital, em construir infraestruturas próprias, para não ficar tão exposta a interesses externos.
Mauro:
A guerra na Ucrânia também se conecta a essa vulnerabilidade?
Beth Veloso:
Muito, Mauro.
A guerra na Ucrânia acelerou o uso de estratégias híbridas: ataques cibernéticos contra infraestruturas, campanhas de desinformação, tentativas de enfraquecimento econômico por meio da sabotagem tecnológica.
A dependência europeia de redes globais — tanto de energia quanto de comunicação — virou um ponto crítico.
Há uma pressão para desenvolver mais tecnologias próprias, mas é um caminho longo.
Enquanto isso, episódios como o apagão mostram como a segurança energética e a segurança digital são, cada vez mais, questões de soberania nacional e regional.
Mauro:
Beth, podemos fazer algo para nos tornarmos menos dependentes da tecnologia? Ou isso já é impossível?
Beth Veloso:
Reduzir a dependência total é quase impossível, Mauro.
A tecnologia digital já faz parte da nossa infraestrutura vital.
Mas podemos — e devemos — construir sistemas mais resilientes: ter redes alternativas, planos de emergência, educação da população para lidar com apagões digitais e campanhas públicas contra desinformação.
E, claro, precisamos investir em autonomia tecnológica — em energia renovável local, em servidores próprios, em nuvens europeias, em software seguro.
É uma questão de segurança nacional.
Mauro:
Esse tipo de apagão poderia acontecer em qualquer lugar, inclusive no Brasil?
Beth Veloso:
Sem dúvida, Mauro.
O Brasil tem dimensões continentais e enfrenta seus próprios desafios climáticos e estruturais.
A rede elétrica brasileira também é vulnerável a oscilações e a ataques cibernéticos.
Por isso, a preparação é fundamental: investir em infraestrutura, educação em segurança digital, e estratégias de resposta rápida é crucial para qualquer país que queira proteger sua sociedade no século XXI.
Mauro:
Muito obrigado, Beth!
E a você, ouvinte, fica a reflexão: como podemos construir um futuro mais seguro, mais soberano e mais resiliente?
Comentário – Beth Veloso
Apresentação – Mauro Ceccherini